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sábado, novembro 25, 2006

Admiração ou Inveja

Admiração, Inveja e Amor
:: Flávio Gikovate ::


A busca de destaque social através do sucesso em alguma área de atividade (que é a forma usual da manifestação adulta do exibicionismo e que chamamos de vaidade) teria por finalidade atenuar a sensação de desamparo, solidão e insignificância, sensações geradoras de brutal desespero, especialmente para aquelas pessoas que, em virtude de sua inteligência, são mais conscientes destas propriedades da condição humana. Apenas algumas observações serão suficientes para demonstrar que este caminho não leva a parte alguma, a não ser para uma relativa neutralização da sensação de insignificância que, ainda assim, necessita permanentemente de reforços derivados de novos feitos, capazes de chamar a atenção das outras pessoas.

Se a intenção inicial das pessoas que buscam o destaque é, através dos seus desempenhos, acima da média, obter admiração e o amor dos que lhe são próximos, o resultado na prática é bastante diverso deste. O sentir-se amado pode efetivamente representar uma importante atenuação do desamparo original, sendo um remédio eficaz para o desespero que deriva da consciência da solidão, de modo que seria legítimo buscar esta solução, ainda mais que ela estaria na mesma direção da que determina o prazer erótico ligado ao sucesso. O que perturba esta solução, aparentemente muito boa porque resolve os dois anseios - afetivo e erótico -, é que a admiração determina o surgimento da inveja e não do amor.

Amor e inveja derivam da mesma fonte: a admiração. Porém, na prática, a inveja é a emoção que mais frequentemente se manifesta, especialmente quando as diferenças entre as pessoas são mais marcadas. Para que a admiração resultasse em amor seria necessário que as pessoas em geral estivessem relativamente bem consigo mesmas, de modo a não se sentirem humilhadas, agredidas pelas competências especiais das outras.

Acredito que a maioria das pessoas que buscam o destaque social só percebe muito tardiamente que seu sucesso desperta muito mais frequentemente a inveja do que o amor; e, mais, que vive esta constatação surpreendente como profundamente decepcionante e geradora de uma grave crise íntima. Não é fácil aceitar que o resultado de tanto esforço e dedicação a uma causa qualquer - desde as mais nobres até o simples sucesso material - seja a hostilidade sutil, manifestada principalmente pelas pessoas mais chegadas, amigos e familiares. E agora, o que fazer? Abandonar tudo e iniciar uma nova vida? Com que forças? E para onde dirigir essas energias, se o resultado de uma mudança de rota pode ser o mesmo, ou seja, a inveja?

Na maior parte das vezes, não há mais como existir uma reversão do processo, principalmente porque as pessoas já estão muito habituadas às gratificações eróticas derivadas do sucesso social. A vaidade funciona, nestes casos, como um vício qualquer: o indivíduo percebe que ela lhe é nociva - por causa da inveja que sua condição desperta - mas não consegue mais abrir mão dos prazeres que dela advém. O sentir-se hostilizado agrava a sensação de solidão e desamparo, o que costuma determinar um agravamento do desespero, agora acrescido de revolta contra as pessoas invejosas. O desespero e a revolta geram uma energia ainda maior, que é usada na direção de se obter um destaque mais acentuado, que agrava a solidão. A inveja é um sinal da admiração e do destaque obtido, de modo que passa a ser buscada ativamente, apesar da mágoa íntima que possa causar. Para continuar a ser admirado e destacado, terá que se comportar cada vez mais de acordo com o que o grupo social valoriza - ainda que já tenha percebido seu caráter absolutamente ilusório e, na prática, insatisfatório. Desta forma o grau de liberdade individual se torna mínimo, ao mesmo tempo em que o indivíduo fica cada vez mais sozinho, apenas se gratificando - em doses cada vez maiores, como em qualquer vício - dos prazeres eróticos ligados ao exibicionismo.

Flávio Gikovate é médico psicoterapeuta,
pioneiro da terapia sexual no Brasil.

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Citação

Jung: ...A vida nada mais é do que um hiato. O que fazemos dela, o sentido que damos para ela enquanto vivemos importa mais do que qualquer acúmulo de glória e riquezas materiais.